quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Educação em Angola desde 2000 a 2013


A educação é um direito humano fundamental para o desenvolvimento da pessoa e consequentemente do meio social que a rodeia pois, está cientificamente comprovado que por via do direito à educação é possível que os cidadãos e as cidadãs alcancem outros direitos fundamentais para o bem-estar político, económico, social, ambiental e cultural das noções.




A Declaração Universal dos Direitos Humanos salvaguarda claramente o direito à educação no seu Artigo 26º, lembrando aos Estados-Membros que todo ser humano tem direito à instrução, que deverá ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares e fundamentais, que deverá estar orientada para o desenvolvimento da personalidade humano e para o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, que deverá promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e, por isso os pais têm prioridade de direito na escola do género de instrução que será ministrada a seus filhos.

Ao subscreverem a referida Declaração, os Estados-Membros de que, Angola faz parte, reconheceram a importância estratégica de garantir o acesso à uma educação pública e gratuita para os seus cidadãos e para as suas cidadãs, como sendo um recurso estratégico para a promoção da paz, da justiça social e da dignidade humana.

Como mecanismo de operacionalização do compromisso assumido a nível das Nações Unidas, o Executivo Angola tem reafirmado o direito humano à educação na Constituição da República de 2010, precisamente, no Artigo 79º que tanto se refere ao direito ao Ensino como também à Cultura e ao Desporto. No ponto primeiro do Artigo em referência, o Estado Angolano promove o acesso de todos à alfabetização, ao ensino, à cultura e ao desporto, estimulando a participação dos diversos agentes particulares na sua efectivação, nos termos da lei.

Uma leitura comparada sobre o Artigo 27º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Artigo 79º da Constituição da República de Angola de 2010 revelam seguramente uma coerência do ponto de vista do papel da educação para a vida humana e consequentemente para o progresso das nações. Na verdade e em rigor, quanto maior oportunidade de educação for dada aos cidadãos e às cidadãs, maior possibilidade de se contar com a participação dos cidadãos e das cidadãs na vida pública e, por conseguinte no desenvolvimento do país, tendo em conta as habilidades de cada cidadão e cidadã. Portanto, a garantia do direito à educação para todos os cidadãos e para todas as cidadãs pressupõe garantir a construção de uma sociedade constituída por elementos cuja ética e moral está voltada à promoção da dignidade humana.

Do ponto de vista legal (teórico), os dois instrumentos referidos acima promovem, defendem e protegem o direito à educação no quadro dos princípios de participação, democracia e exclusividade. Na prática, será que todos os cidadãos Angolanos e todas as cidadãs Angolanas gozam do direito à educação pública, gratuita e de qualidade?

A Rede Angolana da Sociedade Civil de Educação Para Todos enquanto um movimento de advocacia social em prol da promoção e defesa do direito à educação para todos os cidadãos e todas as cidadãs sem qualquer tipo de descriminação, pretende, a partir da observação directa e da leitura crítica de alguns documentos oficiais do Ministério da Educação, apresentar a sua análise sobre a questão do acesso à educação em Angola à luz do Marco de Acção de Dakar, que resultou do Fórum Mundial de Educação Para Todos realizado em Senegal de 26 a 28 de Abril de 2000.

No referido Fórum de Dakar, realizado há 14 anos, os Governos de todo o mundo comprometeram-se uma vez mais garantir para todos os cidadãos e para todas as cidadãs dos seus países este direito alienável até 2015, tendo assumido implementar os Seis objectivos de qualidade de educação, dos quais analisaremos, pormenorizadamente, quatro na perspectiva de efectivamente responder a questão central desta análise.

Primeiro Objectivo: Estender e melhorar a protecção integral da primeira infância, especialmente, para as crianças mais desfavorecidas.
Este objectivo significa formular, implementar, monitorar e avaliar políticas públicas e mecanismos de articulação entre Governos e Sociedade Civil em prol da prestação de boa assistência e educação para todas crianças, especialmente as mais desfavorecidas.

As políticas públicas em prol do desenvolvimento das crianças devem traduzir-se em acções práticas e terem impacto directo na vida delas, das famílias e das comunidades. Essas acções práticas que vão desde a criação de infra-estruturas, acompanhamento e formação das crianças são de extrema importância para a preparação das crianças perante as circunstâncias da vida, por exemplo, está suficientemente aprovado que uma criança que passa por um centro infantil tem maior possibilidade de obter sucesso escolar do que aquela que não passa por esta instituição considerada como uma das primeiras instituições de socialização de crianças a seguir, naturalmente, da família.

O Executivo Angolano tem vindo a conceber e implementar políticas públicas em prol do bem-estar da criança e tem institucionalizado o Conselho Nacional da Criança (CNAC), um espaço de articulação multissectorial sobre a problemática da criança.

Apesar de políticas públicas existentes e dos espaços de articulação entre o Governo e a Sociedade Civil Angolana observamos em Angola mais centros infantis privados com altas taxas de inscrição e propinas (que rondam entre 25 a 50 mil Kwanzas) do que centro infantis estatais. Para ter uma ideia, na Província de Luanda existem menos de 15 centros infantis estatais, mas tem mais de 80 centros privados. Na maioria das restantes provinciais do País, o número de centros infantis estatais é inferior a 5 e desse reduzido número encontram-se todos nas capitais provinciais.

Ao nível do Ensino Geral é igualmente importante prestar-se atenção à classe da iniciação, pois muitas escolas da rede pública não têm turmas desta classe, considerada de antecâmara para a socialização da criança em idade escolar na escola. Segundo o Anuário Estatístico do Ministério da Educação de 2012, o número de turmas de iniciação foi de 14279, correspondendo a 9008 escolas e tendo apenas abrangido 639088 crianças. A ausência da informação sobre o número de crianças existentes em Angola, não permite saber o número de crianças exacto ou aproximado que está em idade escolar, mas fora da escola.

A carência de serviços estatais para a assistência à primeira infância tem sido, no nosso entender, uma grande oportunidade de negócio para as entidades privadas, que vão alargando quantitativa e qualitativamente os seus serviços em todo o território nacional. Isto não é um mal, antes pelo contrário é uma alternativa importante para os pais e encarregados de educação. A preocupação sobre a expansão dos serviços privados de assistência à primeira infância reside no facto de que apenas crianças de pais ricos ou com possibilidade financeira regular é que conseguem frequentar estas instituições, tornando a educação como algo exclusivo de elites e não como um directo humano consagrado tanto na Declaração Universal do Direitos Humanos e na Constituição da República de Angola de 2010.

Segundo Objectivo: Assegurar que até 2015, todas as crianças, especialmente, as meninas tenham acesso e concluam a escolaridade primária gratuita, obrigatória e de boa qualidade.
Milhões de crianças, especialmente meninas não tem acesso à escola e as poucas que conseguem ter a sorte de ingresso não conseguem concluir a escola primária por várias razões. Esta realidade não é exclusiva à Angola, dai ter-se recomendado a todos os Governos estabelecer e implementar medidas que, por um lado, facilitem o acesso e conclusão da escola primária gratuita e obrigatória e, por outro, medidas que ajudem a vencer alguns tabus culturais rumo ao acesso e á conclusão de uma escolaridade de boa qualidade.

O Governo Angolano estabeleceu e acredita-se que sempre que possível estabelecerá medias para alcançar o segundo objectivo de Dakar de que assumiu. Certamente, não vai conseguir alcançá-lo em 2015, data limite, atendendo que Angola é um dos países da África com muitas crianças fora da escolaridade.
Segundo o Anuário Estatístico do Ministério da Educação de 2012, neste ano foram matriculadas em todas as escolas primárias estatais 4.009.107 crianças e deste número 2.017.576 são do sexo feminino.

 De acordo com os dados referidos acima, nota-se que matricularam-se mais crianças do sexo feminino do que as do sexo masculino com uma diferença de %. No ano de 2010, o número total de crianças matriculadas no Ensino Primário gratuito foi de 4.543.998, deste 22.5380 foram do sexo feminino. Portanto, podemos perceber que o número de crianças que ingressa ao Ensino Primário gratuito tende a aumentar, sobretudo as do sexo feminino.
Todavia, se por um lado o número de crianças do sexo feminino tende aumentar ano pós ano nas Escolas Primárias, por outro lado, são também as crianças do sexo feminino que mais cedo desistem ou abandonam os seus estudos, facto bastante visível em muitas escolas, sobretudo as que estão localizadas no meio rural. Os dados do IBEP (2011), provam esta afirmação: As raparigas entram na escola na idade correcta em maior percentagem do que os rapazes (55% e 49%, respectivamente), factor que contribui para uma incidência maior de escolaridade primária entre as raparigas. Apesar de as raparigas entrarem para a escola em proporções superiores às dos rapazes, como já foi visto acima, esta tendência não se mantém ao longo de todo o ciclo escolar. Os dados do ensino primário revelam uma proporção superior de mulheres com este nível concluído (62%) comparativamente aos homens (50%). Esta divergência inverte-se nos níveis seguintes, sendo maior no Ciclo I (com uma diferença de 7% a favor do homens).

Terceiro Objectivo: Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e pessoas adultas sejam satisfeitas através do acesso equitativo a programas de aprendizagem e de desenvolvimento de capacidades para a vida adequada.
Por razões de vária ordem muitos jovens e adultos não tiveram oportunidade de acesso á escola e alguns tiveram-na, mas não a concluíram. É nesse sentido que muitos Governos se comprometeram com os todos os jovens e adultos em garantir-lhes a oportunidade de obter conhecimentos e desenvolver os valores, as atitudes e habilidades que lhes possibilitem desenvolver suas capacidades para o trabalho, para participar plenamente na sociedade, para deter o controlo da sua própria vida e para continuar a aprender.

Com vista a responder este compromisso, o Governo Angolano formulou e implementou em 2013 algumas importantes políticas educativas com realce o Programa da Alfabetização e Aceleração do Atraso Escolar (PAAE), bem como criou a Comissão Nacional de Alfabetização, como um mecanismo de articulação entre os diferentes departamentos ministeriais e a sociedade civil para tratar da questão da alfabetização.

De acordo com os dados disponibilizados pela Direcção Nacional de Educação de Adultos durante o Conselho Consultivo do Ministério da Educação, que decorreu na cidade do Saurimo, Província da Lunda Sul, de 19 a 21 de Março de 2014, foram alfabetizados 990.203 jovens e adultos em 2013, em todo o território nacional, por um corpo de alfabetizadores estimados em 15.600.

Entendemos que houve um esforço conjugado entre o Estado Angolano e os parceiros sociais para conseguir alfabetizar 990.203 pessoas adultas, mas este é um número ínfimo para combater a elevada taxa de analfabetismo calculada em 30% da população Angolana, que se estima em 19 milhões de habitantes de acordo com os dados do último censo eleitoral.

Quarto Objectivo: Melhorar todos os aspectos qualitativos da educação para conseguir resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis.
A qualidade da educação é um conceito que está em debate na agenda internacional. Especialistas em Educação e activistas cívicos continuam a buscar consenso sobre o que se pode entender por qualidade da educação, mas há um pensamento mais ou menos consensual de que deve ser aquela educação que satisfaz as necessidades básicas de aprendizagem e enriquece a vida dos educandos e sua experiência global de vida.
O Professor Dr. José Manuel Moran, Especialista em mudança na educação presencial e à distância, aponta, pelo menos, cinco inegáveis variáveis para a garantia de uma educação de qualidade, resumidamente: i) Organização inovadora, aberta, dinâmica, projecto pedagógico participativo; ii) Docentes bem preparados intelectual, emocional, comunicacional e eticamente. Bem remunerados, motivados e com boas condições profissionais; iii) Relação efectiva entre professores e alunos que permita conhecê-los, acompanhá-los, orientá-los; iv) Infra-estruturas adequadas, actualizadas, confortáveis. Tecnologias acessíveis, rápidas e renovadas; v) Alunos motivados, preparados intelectual e emocionalmente, com capacidade de gerenciamento pessoal e grupal”.
Com vista a responder o compromisso de proporcionar uma educação de qualidade para todos os cidadãos Angolanos e todas as cidadãs Angolanas, o Executivo Angolano tem vindo a implementar a 2ª Reforma Educativa desde 2004, que segundo Pinda Simão, actual Ministro da Educação, citado pela Agência Lusa em 2004, ela visa melhorar a qualidade do ensino através de uma estrutura educativa forte e de um novo projecto educativo baseado em instrumentos curriculares recentes.
Volvidos quase 10 anos desde o início da implementação da Reforma Educativa, o processo de ensino e aprendizagem praticado em Angola é ainda questionável, pois muitos pais e encarregados de educação não se sentem satisfeitos pela educação que é ministrada para os seus filhos.


De acordado com os dados do Relatório preliminar de Avaliação Global da Reforma Educativa, elaborado pela respectiva Comissão de Acompanhamento e Avaliação, revela que dos 12.170 alunos da amostra avaliados, 42% obteve resultados positivos e 58 negativos na disciplina da Língua Portuguesa, ao passo que na da Matemática 48% de alunos obteve resultados positivos e 52% resultados negativos. Há mais resultados negativos do que positivos. As causas são várias e vão desde a necessidade das famílias melhorarem cada vez mais as condições de vida até ao Governo que deve melhorar as condições laborais e salariais dos funcionários do sector da educação, especialmente professores, incluindo acções de capacitação permanente para os professores e gestores escolares, bem como acções voltadas à auto-estima e status dos professores.


Pela REDE EPT
Carlos Cambuta
Corodenador da Rede EPT Angola

Bibliografia
  1. Anuário Estatístico de 2012 do Ministério da Educação da República de Angola;
  2. Apresentação do Ministério da Educação sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos de 2013;
  3. Constituição da República de Angola de 2010;
  4. Declaração Universal dos Direitos Humanos;
  5. Gouçalves, Jonuel: Monografias Africanas, Outubro de 2012;
  6. Relatório do Fórum Mundial de Educação de 2000;

7.    Relatório de Avaliação Global da Reforma Educativa (RAGRE), 2014.





5 comentários:

  1. A Associação Angolana para Educação de Adultos (AAEA), Coordenadora da Rede da Sociedade Civil Angolana de Educação para todos (Rede EPT) em parceria com algumas organizações ligadas a Rede tem vindo a um tempo a esta parte, promover workshops junto dos seus membros, no intuito destes obterem ferramentas que possam permitir a estes, uma melhor articulação com os grupos com quem interagem no seu dia-a dia.
    Assim sendo no quadro de acções do Projecto "Redes de cidadania activa: protecção social, educação e cidadãos para uma cooperação mais eficiente", co-financiado pela União Europeia, vai realizar-se uma oficina sobre Monitorias de políticas públicas cujo objectivo da oficina é de fornecer uma introdução à monitorização de políticas com ênfase a educação, como forma de fazer a diferença nas nossas sociedades.
    Os objectivos deste recurso são os seguintes:

    • Dar-lhe uma visão sobre monitorização de políticas públicas com ênfase a educação
    • Aprender com a experiência dos outros em Luanda/Angola
    • Apresentar-lhe novos termos e métodos utilizados em monitorização de políticas
    • Apresentar ideias sobre como a sua organização ou rede poderá planear actividades


    Os workshops serão realizados nos dias 27, 29 e 31 de Outubro de 2014, nos Distritos respectivamente de Cacuaco, Kilamba Kiaxi e Quissama.

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  2. Olá!
    Estou a elaborar um texto sobre o acesso, tratamento e conhecimento na educação em Angola.

    Por favor, gostaria de ter acesso a um dos documentos citados no vosso trabalho: Anuário Estatístico de 2012 do Ministério da Educação da República de Angola

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